quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Despertar

Apareço.
Esperei tanto tempo por essa luz. Era solitário e silencioso demais lá embaixo. Gosto do novo ar: respirar, sentir a brisa. Começo a perceber o movimento ao redor, olhares delicados sobre mim.
Cresço.
Cada vez mais distante da terra firme.
Existo. E me faço perceber.
Colorir o cinza da sala, decorar a alma sombria.

É feita a hora: sou flor desabrochada e quero perfumar!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Romântico diálogo para linguistas


- O quê?
- Só olhando.
- Para meus olhos cansados?
- Para seus olhos de infinito...
- É manhã demais pra suas metáforas!
- Tem hora pra metaforizar?
- Tem hora pra não metaforizar.
- Quero mergulhar no infinito! Para sempre, morar no infinito.
- Hipérboles também são cansativas, vá!
- Metáforas são?
- Falei sobre hipérboles; não sobre metáforas...
- Seu 'também'...
- Foi pra fazer par com meus olhos cansados. O despertador já tocou, pode acordar agora!
- Tá. Então eu paro com os versos.
- Para, é?
- É... Não quero mais ser suavemente violentado por suas belas palavras de carinho.
- Eufemismo ou sinestesia?
- Ironia.
- Difícil não se irritar com você; não gosto quando com meus olhos cansados brinca de fazer poesia. Não gosto, detesto, repudio. Nem de você eu gosto!
- Gradação...
- Ironia.

E antes de voltar à aula, ela lhe sorriu com um sorriso novo, cru, verdadeiro, desprovido de entrelinhas. E ele lhe devolveu o mesmo presente, depois de recuperar o fôlego. Os dois, de repente, entenderam: personificação. Do puro sentimento do amor.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Para nunca mais

Da velha cadeira de balanço da varanda, podia avistá-la deitada sobre a grama fresca, ao lado da jabuticabeira, exposta ao sol agradável da manhã de primavera. Ele a perceberia dormindo, se não fosse o movimento dos dedos dela, à procura de folhas secas espalhadas pelo chão. Tela de Monet. Queria ir até lá, abraçá-la e dizer o quanto era feliz por tê-la deitada sobre a grama de seu jardim, o quão poética era a valsa dos dedos sobre as folhas. Mas, de repente, natureza morta, fria, vazia. As cores suaves de primavera transformaram-se em amarelo outono, cor de foto envelhecida, de lembrança antiga. Ela se fazia ainda mais presente na ausência... O sorriso, que abrira de forma distraída, transformou-se em olhos caídos, emoldurados por tristeza profunda e clichê.
Era dono de lágrimas descompassadas, que lavavam toda a amargura que a morte deixara em seu coração.